quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Marcia Anu

Amiga,
Sem papas na língua,
Ferida, polêmica, verdadeira ou não.
Futuca o ponto fraco e me faz mais forte,
Consciente ou inconsciente.
Maliciosamente, me quer bem.

Amiga,
Da adolescência e mais além,
Das praias de Marataíses às bagunças em Piúma,
Das canções no Cristo de Mimoso,
Das cachoeiras do Belmonte,
Das festas até em Morro do Coco e Santo Eduardo.

Amiga,
Das alvoradas, carnavais,
Dos acampamentos nas festas de julho,
Em São Pedro e Santo Antônio,
Quando não havia festival, nem sanfona,
Somente viola e cantoria.

De ti guardo um carretel de linha,
Lembrança física que não transcende a memória,
Trazendo-a de volta por pouco momento,
Com boas lembranças e um sorriso.


Marcia,
Deixa a herança de Cicero,
O filho que batizou com o nome do orador,
Reverberando na prole a filosofia latente.
Orgulho da mãe.

Marcia,
Amiga, mãe, mulher.
Assumida antes que o mundo atenuasse preconceitos.
Negra, orgulhosa da negritude.
Pobre de bens, rica de espírito,
Feliz em sua simplicidade.
Humana, com erros e acertos.


Marcia Anu,
Tal qual um pássaro,
Voa com a mente,
E eu divago na mitologia.
Juíza de Deuses e homens, criadora de estrelas,
Senhora das constelações.
Habita as mais altas regiões celestiais,
Antes, e agora, em companhia de sua criação.

Até um dia.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Eu nasci capixaba
Infância praiana
Na ilha da ilha

Sururu tirado da pedra
No quintal do prédio
Feito na água do mar
Com panela e fogueirinha

Origem muquirana
Dos avós que visitava
Nas férias de inverno
E nas festas do Natal

Adolescente, um dia
O destino me fez mimosense
E no verão virei maratimba
Pegando onda e vendo o arrastão

Capixaba, muquirano,
Mimosense e maratimba
Espírito-santense
De sangue, alma e coração

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O ABUTRE, A SOPA E A MOSCA

Quando a mosca incomoda o abutre, é porque algo não vai bem. Algo está errado; algo está podre; algo está fedendo.

Quando o abutre, do cimo de sua soberba, incomoda-se com a mosca, tende a bicar. Ele pode estraçalhar a mosca com sua bicada fatal. A mosca não é páreo para o abutre.

O abutre está de olho, fingindo-se acima do incômodo. Sua visão é extraordinária. Prepara-se para acabar com a mosca. Escolhe se o fará com as afiadas garras, ou com o poderoso bico. Mas só atacará quando tiver certeza da vitória.

Eu sou a mosca. Insignificante, mas chata; incomodo. Você pensa que eu quero pousar na sua sopa. Ainda não pousei na sua sopa, mas estou voando em torno dela. Você pensa então que eu espero somente ela esfriar, para não me queimar. E eu espero a sopa esfriar.

Você observa a mosca. Afasta-a com um abanar de asas, mas deseja esmagá-la com um mata-moscas. Em certo momento, quer que a mosca aterrise e se queime na sopa fervendo. Vai comendo pelas beiradas, para não queimar a boca. Deixa a sopa esfriar, esperando que assim a mosca se aproxime e se afogue. Dá boas colheradas na sopa morna; delicia-se. E eu espero a sopa esfriar.

Quer bradar: "eu sou a sopa que afogou a sua mosca".

A mosca vai e vem. A mosca é chata. A mosca incomoda. A mosca faz barulho no seu ouvido. A mosca vôa em torno, pois sente a fragrância da sua merda. Sim; a mosca só está lhe incomodando porque você está escondendo a merda que defecou. A mosca não está interesada na sua sopa. Nem quente, nem fria. Sua merda está escondida, mas a mosca sabe que ela está lá. Você pode ocultar a merda, mas não é possível ocultar o cheiro da merda. E a mosca faz mais barulho no seu ouvido.

E você quer que a mosca se queime ou se afogue na sua sopa. Ter que fincar as garras ou meter o bico na mosca não é o mais elegante a se fazer. Ideal seria se a sopa desse fim na mosca. Sem que você precise sujar suas garras ou seu bico. Você é o soberbo abutre, que pode esmagar a mosca quando desejar. Mas a atrai para a sopa; aceita dividir um pouco da sopa com a mosca - acha que a mosca quer um pouco de sopa.

E eu, a mosca, não estou interessado em dividir, contigo, a sopa. Não a quero, nem quente, nem fria. Não me queimarei na sua sopa. Não me afogarei na sua sopa. Quero apenas encontrar a sua merda, cujo cheiro espalha-se para além do seu penico escondido. Pois eu sei que a merda aí está. Quando, e se, eu a encontrar, daí sim me esbaldo. Revirarei-me na sua merda, e espalharei ainda mais o seu fétido odor, para que todas as outras moscas possam vir fazer barulho no seu ouvido.

Pois quando juntam-se muitas moscas, o abutre é que não é páreo para elas. O incômodo de várias moscas é impossível de calar. As garras afiadas e o poderoso bico podem acabar com algumas moscas, mas não com todas. E só lhe restará levantar vôo para longe. Talvez para o ninho, talvez para uma árvore qualquer. Assim estará livre dos incômodos barulho e voar das moscas. Mas, para isso, terá que abandonar a sopa na tijela.

Fria ou quente, é certo que já se satisfez com boa parte da sopa; ou não, se for um abutre muito glutão. Pode voltar para comer o resto. Mas as moscas lá estarão, fazendo barulho no seu ouvido.

segunda-feira, 3 de maio de 2010